Carne de vitelo: o que é e por que o consumo é baixo no Brasil?

Produto se destaca, principalmente, na América do Norte, Europa e Ásia Além do filé mignon, da picanha e da alcatra, cortes comumente utilizados na gastronomia, a pecuária oferece mais uma alternativa aos apreciadores de carne: o vitelo. Ambos têm origem no boi, mas possuem características distintas, sendo a idade e a produção, as principais.
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Enquanto a carne bovina tradicional é proveniente de adultos de raças de corte abatidos com, pelo menos, dois anos, o vitelo provém de raças leiteiras e é abatido com até 12 meses. Na alimentação, o primeiro grupo recebe rações secas e volumosas, e o outro, uma combinação de dieta líquida e sólida.
O conceito, no entanto, não é o mesmo em todos os países. Luis Augusto Silva, diretor de desenvolvimento internacional do grupo canadense Délimax Veaux Lourds, especializado na criação, abate e comercialização de carne de vitelo, explica que cada governo define as suas regras.
Ossobuco de vitelo de grão
Divulgação/Délimax Veaux Lourds
“Na Europa, por exemplo, animais abatidos com até oito meses são considerados vitelos, mas os outros, entre oito e 12 meses, recebem a classificação de ‘vitelão’. Já na América do Norte, o que conta é a carcaça. A carne só pode ser vendida no Canadá como vitelo se for oriunda de animais com menos de 190 quilos de carcaça”, conta à Globo Rural.
Mesmo sendo carne bovina, a diferença de idade no momento do abate também interfere em características importantes de cada corte: textura, coloração e sabor.
As peças do vitelo possuem menor teor de gordura e são mais claras, macias e suculentas que qualquer outra retirada de um boi adulto, fazendo-a ser considerada nobre ou premium.
Duarte Vilela e Rui da Silva Verneque, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Gado de Leite), esclarecem que até os ossos, com consistência cartilaginosa, são aproveitados em alguns países.
“Frigoríficos e casas especializadas em carnes nobres afirmam que a coloração da carne do vitelo pode se tornar uma das principais preocupações em seu comércio por ser um dos critérios de definição do preço de mercado. A carne de vitelo tem a cor clara pelo baixo consumo de ferro, uma característica dos sistemas de criação e o tipo de dieta consumida”.
Filé de costela de vitelo de grão
Divulgação/Délimax Veaux Lourds
Da criação até o abate
A alimentação dos bezerros criados para a produção da carne de vitelo é, a princípio, líquida, tendo como destaque o leite ou sucedâneos do leite quando a alternativa é economicamente viável.
Além disso, as instalações podem ser coletivas ou individuais com piso calçado para que os animais não consumam terra. Segundo a Embrapa, esta é, normalmente, a opção mais usada, apesar do custo, devido ao hábito de sucção que pode causar lesões e, como consequência, depreciar a carne.
Em 2020, o governo federal autorizou a inclusão de alimentos sólidos, como grãos, concentrados, suplementos e fibras, na dieta. A mudança, então, criou a denominação ‘bezerrão’ ou ‘vitelão’ e foi avaliada de forma positiva pela empresa vinculada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Pesagro-Rio).
Uma das primeiras diferenças observadas com a flexibilização foi a coloração da carne, que ficou mais avermelhada pela presença de ferro na dieta, mesmo o animal ainda sendo jovem no momento do abate.
Pesquisas demonstraram também que a combinação de milho moído junto à dieta líquida, com leite ou sucedâneos do leite, reduzia o custo de produção, sem perda da característica do vitelo, pois o milho é de fácil digestão e baixo teor de ferro.
“Nos últimos anos, diversas alternativas têm sido estudadas, divulgadas e adotadas pelos produtores de leite com o objetivo do aproveitamento mais consciente do bezerro. Com isso, atende-se às questões legais, de meio ambiente e, principalmente, de bem-estar animal por eliminar o hábito de sacrificar o bezerro ao nascer, às vezes, com descarte em locais impróprios e até fontes de água potável”, destaca Rui Verneque.
Pernil de vitela de leite
Divulgação/Délimax Veaux Lourds
A classificação
Existem três tipos de vitelo e que são definidos pela idade no momento do abate, o peso e a dieta alimentar, fatores que determinam a qualidade, o valor comercial e a forma de preparo da carne na gastronomia.
Bob-Veal: animal abatido com alguns dias ou semanas de vida e peso entre 40 e 60 quilos. É o produto com menor valor agregado e o mais conhecido no Brasil.
Milk-fed Veal ou vitelo de leite: animal abatido com cerca de seis meses e peso até 280 quilos. A dieta líquida é composta por produtos lácteos, como soro de leite (whey) ou leite desnatado. A carne, por sua vez, tem alto valor agregado, coloração mais clara que a tradicional e muita maciez.
Grain-fed Veal ou vitelo de grão: animal abatido entre 10 e 12 meses e peso aproximado de 360 quilos. A alimentação líquida dura até os 45 dias de vida. Depois, consome grãos e suplementos, o que desenvolve uma carne mais rosada.
Entre as raças mais utilizadas para a produção de vitelo estão a holandesa e a girolando, conhecidas por terem baixo preço de mercado após o nascimento e por ganharem peso rápido, mesmo com dieta líquida, diferente da zebuína.
Por que o consumo de vitelo é baixo no Brasil?
Em terceiro lugar no ranking dos países que mais consomem carne no mundo, o Brasil ainda vê o mercado limitado para o vitelo. O mesmo não acontece no Canadá, Estados Unidos, França, Itália e Holanda, por exemplo, onde a proteína é amplamente difundida.
“A produção é uma alternativa muito estudada no passado, mas, atualmente, pouco utilizada, necessitando trabalho de marketing para divulgação. É ainda muito restrito pelo preço, baixa disponibilidade nos postos de venda, aparência e textura”, afirma Verneque.
Para o futuro, possibilidades que surgiram na produção de carne utilizando dietas puro grão ou mesmo sistemas de confinamento testados e aprovados, como ‘beef on dairy’ e ‘baby beef’, podem ter espaço e se expandir porque oferecem vantagens: carne de qualidade e a redução da necessidade de aumento no tamanho dos rebanhos para atendimento aos mercados.
Com 250 unidades de produção no Canadá e uma no Brasil, a empresa Délimax Veaux Lourds é líder na criação de vitelo na América do Norte e contribui para o consumo de americanos e asiáticos.
Para que o mesmo ocorra no Brasil, Luis Augusto Silva entende a necessidade de ajuste em duas situações. A primeira – e mais importante – é o hábito do consumidor nas refeições.
“A carne de vitelo não é magra, ela é extra magra. Então, se colocar na churrasqueira, fica dura porque não tem gordura. A picanha, por sua vez, tem apenas uma membrana ao invés de uma capa de gordura. O costume no Brasil não é fazer assados ou ensopados, mas grelhados na churrasqueira, e ela não é para esse fim. Assim, não tem interesse e fica difícil de vender”.
Além da paixão pelo churrasco, ele vê o preconceito pelo abate dos bezerros com poucas semanas de vida como fator também responsável pela baixa procura.
“Quando se fala em vitelo, ou até vitela, pois muitos chamam assim, as pessoas acham que vão consumir o feto da vaca, o que não é. O Brasil não pode se dar ao luxo de continuar descartando essa proteína. Ela tem valor agregado e valor nutritivo. Não estamos falando em comer um javali ou jacaré, é um boi, mesmo que jovem”, diz.
O aproveitamento da carcaça também é uma das dificuldades encontradas no mercado nacional. E o motivo está na escolha, geralmente, apenas por cortes nobres, como ossobuco, carré de 6 costelas e costeleta. Já nos Estados, Unidos, todos os cortes do dianteiro e traseiro são aproveitados, além de cérebro, ossos, fígado e pulmão, movimento que resolve o problema do balanceamento da carcaça e rentabiliza a produção.
Cubos de vitela de leite
Divulgação/Délimax Veaux Lourds
Quanto custa a carne de vitelo?
A criação dos bezerros é o que determina o valor dos cortes no mercado. O bob-veal, por exemplo, bezerro abatido nas primeiras semanas de vida, gera poucos custos ao produtor por ser considerado de descarte e tem a carne mais barata entre as três classificações.
No caso do Grain-fed Veal, que consome grãos a partir dos 45 dias de vida, os gastos se elevam, mas nada excessivo. O animal mais caro é o Milk-fed Veal ou vitelo de leite pela necessidade de se alimentar apenas de líquido.
“Há uma falsa ideia de que a carne de vitelo é caríssima, o que não é verdade. Dos três tipos, apenas um podemos dizer que é mais caro mesmo em relação à carne bovina tradicional. Existem alternativas mais econômicas para aproveitar a carne. Acho que o que deveríamos priorizar no Brasil é a produção do vitelo de grão”, finaliza Silva.
No site da Wessel, empresa húngara conhecida pela venda de carnes especiais no mercado brasileiro, a Globo Rural comparou os cortes mais apreciados de vitelo e boi tradicional. Confira abaixo:
Vitelo
Carré: R$ 91 (700 gramas)
Pernil (ossobuco): R$ 264 (3 quilos - R$ 88 cada quilo)
Boi
Picanha: R$ 282 (1,2 quilo)
Filé mignon: R$ 247 (1,5 quilo)
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